Oh My Ghost Clients e a desumanização do trabalhador
- An Ode To
- 11 de ago.
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por Tham Sanchis
Ao passar da metade de Oh My Ghost Clients, k-drama que foi exibido do dia 30 de maio à 28 de junho desse ano, eu tive certeza que precisaria comentar sobre ele — percebendo o quão fundo ele já estava me tocando, sabia que tinha um objetivo e esse era passar para frente seus aprendizados. Claro que seria aqui na Ode, lugar onde despejo todas as palavras que me são de direito e precisam dar uma passeada, já que não cabem apenas em meu coração.
Não existe um drama que fale sobre mortes mal idas e vidas não vividas a seu total potencial que não me toque. Foi a beira das lágrimas que via todo e qualquer episódio de Hotel Del Luna, Move to Heaven e Tomorrow, e foi o que aconteceu com Oh My Ghost Clients também. Sua estrutura é tão perfeita que ele é um drama que aborda temas sérios de uma forma tocante, te fazendo chorar, mas também refletindo sobre eles e todas as coisas que esbarram naquelas pessoas que se foram e buscam por vingança. E, aliás, porque elas fazem isso?
Nesse k-drama vemos isso por outra ótica, uma que fazemos vista grossa e devíamos dar mais atenção, pois é algo que todos vivemos e, muitas vezes, mecanicamente. São pouquíssimas as pessoas que tentam lidar com trabalho de uma forma humana e ligada a saúde mental, até porque é raro um trabalhador que pega uma jornada pesada pensar nisso. Dito isso, é de extrema importância falar sobre a negligência que toca nesse tema da mesma forma que foi abordada em Oh My Ghost Clients: escancarada, como um real problema e criticando o sistema trabalhista em que todos estamos inseridos.

(Foto: Divulgação)
"Sou um advogado trabalhista. Uma nobre profissão que serve a quem labuta. Um defensor dos direitos dos trabalhadores. Não dou apenas conselhos legais para proteger os direitos deles... Como profissional licenciado, dou consultoria sobre leis trabalhistas, gerenciamento, RH e mais, além de atuar em audiências com donos de empresas."
É com essa descrição, no começo do primeiro episódio, que somos apresentados à Noh Moojin (Jung Kyungho), o advogado trabalhista que vai nos levar na jornada que é lidar com seu público fantasmagórico junto de seu trio de trabalho que traz uma comicidade incrível a história.
Logo no início desse episódio, já percebemos o quão impulsivo e sem métricas o (até então, sem especialidade) advogado é: trabalhando numa empresa há 10 anos e sendo influenciado por um amigo que diz que criptomoedas estão em alta e podem ser adquiridas em um montante maior que o atual salário dele, Moojin pede demissão com apenas um sonho em mente, o de fazer seu FGTS render para então conseguir dinheiro em cima disso. A não surpresa é que esse amigo é tão sem escrúpulos quanto ele e acaba morrendo num acidente de carro após gastar todo o dinheiro de Moojin que, agora sem nada, nem sua esposa quer estar com ele. Mijoo (Kyung Soojin) resolve dar um tempo no relacionamento depois de seus atos impensados e vai morar com sua irmã num apartamento que é dela, mas é onde a mais nova, Heejo (Seol Inah), vive temporariamente.
Vendo-se numa sinuca de bico, Noh resolve escutar um amigo de seu agora ex-trabalho, responsável pelos Recursos Humanos da empresa, que diz que ele pode prestar concurso para ser advogado trabalhista e ganhar em cima de algo que realmente esteja alavancando naqueles dias, que é o mercado de procura por indenizações de trabalho, salários não pagos e coisas do tipo — e promete o ajudar com o RH assim que o seu pupilo conseguir o certificado. Apesar de inconsequente, Moojin também é esforçado, e se dedica e consegue passar no exame, mas logo recebe a notícia que o amigo que o deu força foi processado por assédio sexual no trabalho e a realidade bate novamente em sua porta, como um ciclo que não se acaba.

(Foto: MBC)
Percebendo estar nessa onda de azar, já não sabendo o que fazer, escuta o último conselho de um amigo que realmente parece querer ajudá-lo: porque não fazer seu próprio escritório de advocacia? Ele então resolve pegar um empréstimo, mesmo sabendo que poderia ser bem difícil de quitar, já que tudo parece nublado em sua vida e conseguir clientes poderia ser outro problema.
Quem o acompanha nessa jornada é sua própria cunhada Heejo, criadora de conteúdo de beleza que resolve ser a gerente dos seus negócios trabalhistas, ainda acreditando que ele tinha jeito e com a fé que seu cunhado e sua irmã poderiam voltar quando ele se reestabelecesse financeiramente — com apenas 500 seguidores, essa parecia ser uma proposta tentadora para ela que passava bastante tempo em casa sem conseguir crescer seu conteúdo de forma satisfatória. E não podemos dizer que Mijoo gostava daquela aproximação dos dois, já que sabia do histórico financeiro do marido e temia que sua irmã seguisse o mesmo caminho.
Na intenção de mudar esse jogo, Heejo o apresenta a Ko Gyeonu (Cha Hakyeon), um amigo — até muito — próximo que ela conheceu na comunidade de criadores de conteúdo, que diz poder ajudá-los através da Gyeonjjang TV, seu canal. Até o momento, ele apenas fazia vídeos sobre super patriotismo, usando o efeito halo¹ para convencer as pessoas que o país deles era melhor através de fake news, inclusive tendo sido desmonetizado por conta disso.
Apesar de vermos desde os primeiros segundos do drama um humor ácido nele, por conta da narrativa das tragédias que cercam a vida de Moojin, é nesse momento que pegamos de verdade o que a trama não tinha deixado tão óbvio assim: as críticas sociais ao sistema trabalhista que vivemos no mundo inteiro, contendo um problema ainda mais enraizado na Coreia do Sul e, também, no Japão. Tanto em um país quanto no outro, existe até nome para mortes causadas por conta de excesso de trabalho: Gwarosa (과로사) em coreano e Karoshi (過労死) em japonês, onde elas tem mais ligação com doenças cardiovasculares e AVCs, devido a jornadas de trabalho prolongadas que podem afetar os trabalhadores mentalmente e causar cansaço extremo e estresse.
É engraçado ver que Gyeonu sabia dos problemas que assolam sua nação, mas preferia se manter e promover o alienamento através de seus vídeos, já que eram seus fiéis e cegos seguidores que o financiavam com generosas doações. Mas quando ele tenta convencer Moojin de expor em seu canal a infeliz realidade da tão amada pátria dele, dizendo que a Coreia é "um país de acidentes de trabalho" e que eles poderiam "aconselhar" grandes empresas e fábricas com o intuito de fazê-las cumprir as leis básicas de trabalho que elas não cumpriam, se não os denunciariam (anonimamente), o advogado custa a entender tal loucura, já que isso soa como suborno, ainda mais com o videomaker dizendo que "algumas pessoas pagam caro para evitar muita atenção", aquilo não soa bem para a pessoa ética que Moojin é... Até ele perceber que estaria jogando dinheiro fora por uma justa causa. Percebendo que pessoas sofrem o dia inteiro e homens gananciosos ganham as custas de suas vidas jogadas fora, que mal faria uma chantagem para fazer o bem?

(Foto: Divulgação)
"Os acidentes ocorrem por ignorarem regras de seguranças, não usarem proteção nem equipamentos adequados. Então não são acidentes [de fato]. É negligência humana." "E, quando alguém morre no trabalho, nove em cada dez donos são multados ou têm a pena suspensa. Isso não é ridículo?"
Pegando essas falas convincentes dos personagens, fica ainda mais fácil de entender que o crime que eles estariam cometendo seria o de menos: pode parecer até algo meio heroico, meio "fazer justiça com as próprias mãos", meio "Batman", mas é exatamente assim que eles persuadem Moojin. A cereja do bolo é a ideia de Gyeonu de levar sua câmera para filmar toda e qualquer coisa fora do lugar nos ambientes de trabalho que fossem visitar. Alguém garantiria que aquilo seria aprovado? Bom, eles com certeza estavam querendo testar a sorte deles. O advogado precisava pagar suas contas e o desespero para conseguir o dinheiro é tanto que, sim, ele acaba topando aquela maluquice.
Após ir na primeira fábrica e ver que dá certo o trabalho, Moojin se convence que aquele poderia ser o caminho. Muitos donos, com medo, não tentam bater de frente: eles sabem de seus mal feitos e apenas correm para reparar, antes que a denúncia venha, e até dão dinheiro como forma de gratidão pelo serviço do trio. Com isso, ele consegue voltar a pagar suas contas e até faz implementações em seu escritório. Todavia, já que conseguiram se estabelecer de alguma fora, a ideia de Heejo é fazer crescer ainda mais o negócio deles, indo atrás das verdadeiras fábricas que não seguem as regras — e ela está falando das grandes, pois a verdade é que as pequenas querem crescer ainda e foram ótimas para um início, para conseguir um "dinheiro mais fácil", mas são as maiores que escondem problemas mais sérios e querem se manter num mercado competitivo, onde todas querem ser a maior.
Até que Gyeonu surge com um dado que vai mudar tudo: 4 casos de morte na Siderúrgica Taehyeop, uma fábrica em Gyeonggi que tem o 3º maior índice de acidentes da província. Eles então procedem para o de costume, que é começar com uma inspeção no local e tentar encontrar coisas a ser reparadas. Por ironia do destino, Ko precisa abandonar o barco por dor de barriga e não consegue acompanhar o advogado no "passeio" pelo local enquanto Heejo tenta ter uma conversa amigável com o filho do dono da fábrica no escritório dele. Isso tudo para acontecer algo que era imaginado desde que eles se juntaram: vários acidentes, um deles inclusive envolvendo o advogado que tem uma experiência de quase morte.

(Foto: Divulgação)
É nesse momento que ele conhece Bodhisatvva (Tang Jungsang), que o recepciona num lugar estranho, com praticamente nenhuma informação do que estava acontecendo, a não ser pelo que saia da boca do jovem: se Moojin quisesse viver, ele teria que o ajudar dando suporte aos espíritos das pessoas que morreram injustamente devido a excesso de trabalho e estavam vagando na terra, pois estava muito ocupado para cuidar de todas elas. O propósito do trabalho do advogado, então, passa a ser ainda mais profundo: ele tem o objetivo de fazer com que aquelas almas encontrem paz e sigam adiante, já que, enquanto elas estão por aí, estão em sofrimento, remoendo a dor de ter partido cedo demais por um motivo que nem elas entendem muito bem.
Ao decorrer desse primeiro episódio introdutório, vemos que isso está acontecendo com ele por motivos ainda mais profundos. Como vemos nos primeiros minutos e nos flashbacks de quase morte de Moojin, percebemos que ele era alguém que só pensava em si mesmo, que continha uma falta de esperança imensa dentro dele e precisava constantemente de conselho dos outros para que ele seguisse sua própria vida. Então o contrato que ele assina com Boddhisatvva, para o ajudar naquele trabalho, é praticamente um contrato de que ele estava finalmente assinando um compromisso, dando a sua palavra que iria fazer algo com um propósito maior, de acordo com o que ele acreditava: seu trabalho como advogado trabalhista.
Obviamente com seu espírito medroso de iniciar algo sem experiência, ele não queria de fato assinar o contrato, mas vendo que não tem jeito, já que era aquilo ou a morte, literalmente, ele aceita. Como o título do drama indica, depois de acordar vivo, ele já tem seu primeiro teste: Moojin conhece, então, seu primeiro "cliente fantasma".
Uma vez que somos introduzidos a esse longo plot, pensamos que vai ser tranquilo assistir ao resto, talvez até um tanto quanto clichê dado o fato da existência de dramas que seguem essa trama de "limpar traumas", mas digo com todas as letras que Oh My Ghost Clients é de uma sutileza sem tamanho. Em média de dois em dois episódios, novos casos vão surgindo e sempre total de acordo com o tema do drama: um (ou mais) fantasma vai atrás dos serviços do advogado, que custa para se adaptar com espíritos o rodeando, e ele vai fazer de tudo e mais um pouco para dar paz a aqueles que o buscam, também os acolhendo de uma forma tão singela que compramos total o lado deles, que morreram injustamente em horário de trabalho e por razões um tanto quanto absurdas.
Somos atravessados pelos casos do menino que morreu na siderúrgica, de uma mulher que tira sua vida ao lutar contra uma depressão devido ao bullying que sofria no hospital em que trabalhava, faxineiros buscando por justiça na faculdade onde a mãe de Moojin trabalha pois uma de suas amigas próximas morre por se preocupar demais com uma prova absurda que o dono fazia eles terem e até o atendente da loja de conveniência que o advogado tem o hábito de ir acaba tendo problemas quando consegue um trabalho num supermercado. É sensacional ver o crescimento de Moojin como advogado, o quão absorto ele fica naquele trabalho e como ele passar a lutar por uma causa que acredita. Mas, ainda mais impressionante, é o poder de fazer-nos ir as lágrimas todo episódio que dá aquele baque de "esse não é um drama comum, é um drama que preciso fazer com que outras pessoas vejam e tenham a noção que estão perdendo uma preciosidade aqui".
Ainda que seja de uma profundidade ainda maior do que descrevo aqui — e talvez realmente não consiga transpassar tudo que ele faz-nos sentir ao assisti-lo —, Oh My Ghost Clients faz com que pensemos nossa relação com o ato do trabalho, principalmente depois de assistir ao último caso que ele atende, de um grupo de trabalhadores de fábrica que são mortos depois de um incêndio por negligência que perdura pelos últimos três episódios, expondo a verdadeira faceta de uma parte dos homens por trás de grandes empresas, que só pensam no próprio dinheiro e em faturar em cima, inclusive, da morte de pessoas que para eles não valem nada.

(Foto: Divulgação)
Destaco aqui ainda a participação de atores e atrizes incríveis que dão seu nome no drama, como Anupam Tripathi (Round 6), Ok Jayeon (Gyeongsong Creature) e Kang Aesim (Round 6), que fazem tudo ficar ainda mais impactante com suas atuações impecáveis, fazendo o elenco ser de primeira.
Além disso, não poderia deixar as OST's de fora, principalmente a que Hakyeon e Inah fizeram juntos, A Race, que faz com que sentimos uma sensação de completude ao lembrar que Heejo diz no primeiro episódio que ela e Gyeonu já fizeram um dueto juntos.
Sendo essa uma review sem spoiler, o que posso dizer sobre o final dele é que contém várias reviravoltas fascinantes e quase que um sentimento de que podemos ter uma segunda temporada dele. Se eu gostaria de ver mais? Obviamente!

(Foto: Namaste Hallyu)
No fim, Oh My Ghost Clients é um drama que fala de um problema a nível mundial, que talvez todos precisam assistir, já que ele traz consciência para algo tão importante como a saúde física e mental em relação a coisa que mais gastamos tempo hoje em dia: o trabalho, sendo ele o ganha pão de muitas pessoas, que precisam contar dinheiro para colocar em casa e dar alimento para seus filhos e agregados. Uma crítica ao sistema que faz com que os que em situações mais desfavoráveis façam todo e qualquer trabalho, até os mais perigosos, para conseguir ter em dia sua forma de subsistência e até mesmo colocam suas vidas em risco se for por esse motivo.
Num mundo onde o dinheiro está principalmente na mão dos bilionários, por que eles pensariam nas pessoas que mais precisam dele? Aqui, traço um paralelo com o texto da Thai sobre Round 6, onde ela traz fatos sobre liberdade e igualdade que conversam muito bem com o que Oh My Ghost Clients nos faz ler nela também.
Vocês podem assistir a esse drama tanto na assinatura pela Netflix quanto pela Viki!
¹ O efeito halo é o efeito da "primeira impressão que fica", isso é, se você conheceu uma pessoa e a considerou simpática, você terá uma visão positiva dela, mesmo que ela esteja interpretando um personagem. Nesse contexto, transparecer que o país é só contém pontos bons, é a impressão que ficaria e muitas pessoas levariam como verdade para sua vida e um reforço para seus pontos de vistas enviesados.
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